Tag Archives: Crônicas do Cotidiano

O blusão amarelo queimado

10 abr
Ele esteve presente nos principais acontecimentos da família. Nos nascimentos, batizados, aniversários, formaturas. Presenciou os grandes dias da nossa história. Podia saber: tinha um evento de família, lá estava ele, ornado pela gola de uma camisa muito bem passada, o velho blusão amarelo queimado do meu pai. Certamente com mais de 20 anos, talvez muito mais, um certo dia ele foi tricotado pela minha mãe. Não se sabe por que motivo. Talvez um presente em alguma data comemorativa?
No álbum de fotos, não fosse pelos cabelos do pai irem ganhando tonalidades cinza até ficarem grisalhos, daria para dizer que cada momento registrado nas imagens aconteceu no mesmo dia, porque muda o cenário, mudam as pessoas, as crianças já não são mais crianças, mas o blusão… ah, o blusão é sempre o mesmo! Suéter, corrige alguém. O nome certo é suéter! Ah, deixa pra lá. Aqui no sul chamamos de blusão e ponto. E não fosse pelo clima pouco propício aos calores, com invernarias que duram meses, talvez o blusão não estivesse presente em tantos dias importantes.

Ainda na década de 90, durante a missa de Crisma da filha mais velha


O velho blusão amarelo queimado acompanhou o passar de três gerações. Ele esteve lá, no dia que eu me batizei, no dia que minha irmã se crismou, e também quando nasceu o primeiro neto dos meus pais. Mas não se engane caro leitor, não pense que o tempo não deixou marcas nele. A cor segue a mesma, como se tivesse sido tricotado ainda ontem, porém em alguns pontos aquelas bolinhas típicas de roupas de lã, podem ser percebidas. Talvez o dono goste tanto da peça exatamente por ela trazer as recordações dos momentos mais importantes de sua vida, de nossa vida. Como se a alegria vivida num dia inesquecível fosse possível ser eternizada na roupa e como se cada fio de lã entrelaçado representasse os muitos dias vividos e o próprio emaranhado de emoções que é a nossa existência. Cada laço que as agulhas juntaram é como um de nós, que o destino uniu e fez caminhar na mesma direção. As marcas que já tomam os fios tricotados são como as que a vida deixa na gente. Umas boas, que dão certo charme e uma aparência de experiência, e outras nem tanto, essas são as que desgastam a malha assim como o tempo faz com o rosto quando aparecem as primeiras rugas.

O blusão faz parte de momentos especiais da família, na foto acima ele esteve presente no dia da prova de toga para a formatura da mãe 


Hipóteses à parte, quem sabe o dono do blusão apenas o vista porque sabe que fica muito bem apessoado dentro dele, com pinta de galã de cinema, ou só porque é bem teimoso mesmo e ignora a insistência da mãe para ele ir com outra roupa. Não adianta, Seu Cizinho gosta mesmo é do velho e bom companheiro de sempre, aquele que aquece e é tão versátil que não pode ser abandonado no armário como outra roupa qualquer. O que se sabe ao certo é que no próximo evento social da família, sem dúvidas ele estará lá, resistindo bravamente ao tempo e aos percalços da vida. 

Durante uma comemoração do Dia dos Pais, em 2011


Também presenciou a espera pela chegada do primeiro neto

…e o momento que ele e o avô se conheceram

Olha o blusão mais uma vez aí, agora no batizado do neto

E alguns anos antes na formatura da primogênita

Esse blusão tem história! 


Texto: Karine Klein
Fotos: Arquivo pessoal

Uma forma de amar as pessoas

25 mar
Esses dias li em algum lugar que cozinhar é uma forma de amar as pessoas. Achei essa frase linda pela simplicidade e por toda a verdade contida nela. Lembrei quase que instantaneamente da minha avó materna, das comidinhas gostosas que ela fazia e de como sentia prazer em ver todos ao redor da mesa, sempre cheia. Lembrei da minha mãe, que diariamente alimenta a família. Neste momento me veio à mente as cenas de quando era criança e ficava em volta do fogão, curiosa, vendo o que a mãe preparava. Pensei nas minhas tias, todas muito dedicadas à culinária. Nas novas gerações, não faltam exemplos também; minha irmã e minha madrinha que são ótimas na cozinha e sempre surpreendem com algo delicioso. Lembrei também de um ex-namorado que adorava cozinhar e inventar pratos novos. Daquele cheirinho maravilhoso de uma lasanha à Bolonhesa no forno, o gosto surreal do meu doce preferido, huuuum… Que sublime arte! Que verdadeiro gesto de carinho é cozinhar para os outros! Mas a cozinha não é um lugar para todos, ou melhor, para qualquer um.
Durante muito tempo eu bem que tentei. Numa época que só estudava, diariamente eu cozinhava para minha família. Religiosamente, de segunda à sexta-feira o almoço lá de casa era comigo. Coitados! Eu me esforçava, pedia dicas para as experientes cozinheiras que conheço, para que meu arroz não parecesse um purê de grãos brancos, ou então para que os bifes não ficassem com a consistência de uma borracha e, quem sabe um dia, numa remota hipótese acertar a maionese. Minha irmã, muito apoiadora que sempre foi, dizia que eu praticava um esporte toda vez que ia fritar batatas: “arremesso de batata ao óleo”. E insistia que o azeite não ia avançar sobre mim se eu chegasse mais perto e que um pouquinho mais de jeito era só o que me faltava. Iludida. Na verdade o que me faltava, falta até hoje, é um caminhão de jeito para cozinha.
Então chegava o meio dia e um suor frio percorria meu corpo, era a hora do veredito! Meus pais animados por terem tão prendada filha se serviam ansiosos. A cada colher que ia da panela ao prato, meus dedos tremiam, cada vez que diziam “isto deve estar ótimo, a cara está boa”, eu gelava. Então chegava o momento decisivo: a primeira garfada. Quem, assim como eu, gosta de comer bem e sabe apreciar um bom prato, sabe; a primeira prova da comida já entrega o que está por vir. Por mais que seja necessário experimentar atentamente, com paciência e apreciando bem o gosto, dificilmente a sensação inicial que se tem muda depois de diversas garfadas.
Então eles mastigavam e mastigavam e nada. Eu, impaciente não me contive:
– E aí? Como está? O que acharam?
Meu pai se apressa em dizer que está tudo muito bom, que tal comida ficou bem temperada, ótima, etc, etc. Minha mãe é um pouco (pouquinho) mais sincera. Também diz que tudo está muito gostoso, mas tal prato podia ter menos sal, o arroz tá meio “papa” e a carne queimou um pouquinho. Fora isso está perfeito.
Fora isso, fora a comida toda estar intragável…
Eles bem que tentavam disfarçar, se serviam várias vezes, faziam cara de felizes, mas no fundo eu sempre podia ver, o almoço descia empurrado.
Enfim, eu juro que eu tentei! E hoje… desisti! E o melhor de tudo: não carrego mais a culpa de não saber e de não gostar de cozinhar!

Portanto digo e repito: no meu caso NÃO cozinhar é uma forma de amar as pessoas. É o maior gesto que eu, toda atrapalhada, posso dar como demonstração do meu amor por alguém.
*Texto: Karine Klein
Foto: Reprodução Internet

Breves considerações sobre o meu 22

22 set


22 de setembro, 22 anos. Números iguais… números, apenas números. Dizem os entendidos da numerologia que 22 é um Número Mestre (aqueles que possuem dois algarismos iguais). Só que “diferentes do 33, 44 e 55, o 11 e o 22  não podem ser reduzidos em hipótese alguma, pois são números mestres inspiradores e criativos, considerados “especiais”. Têm seus significados exaltados, reforçando as vibrações daquele número repetido. A repetição de um número potencializa as características do mesmo. É como se a influência do número “dobrasse” de potência. Por isso são chamados Mestres.” Seus significados são muito importantes…

Então eis que surge mais um 22 na minha vida. Dizem que 22 é o “construtor do mundo”. Representa a construção, o otimismo e o poder. “Usa seu raciocínio para transformar em realidade as necessidades, impulsos e ambições. Tem espírito empreendedor, perspicácia e generosidade, deixando marcas na humanidade.”

Obviamente, não tenho pretensão para tanto, mas espero do fundo do coração, que este 22 traga positivas mudanças para minha vida. Que acompanhado a ele venham todos estes bons aspectos, que somem e acrescentem coisas boas.

Fazer aniversário é chato e legal ao mesmo tempo, mas confesso que já gostei mais (provavelmente porque a idade vai chegando e a pessoa vai ficando mais ranzinza…). Mas como sempre, espero que a cada nova etapa da minha vida (não só de idade, mas de fases) venham também novos desafios e fatores que acrescentem ao meu crescimento pessoal e espiritual. Com o 22 estas boas expectativas só tendem a dobrar. Então que nesse próximo ano que inicia para mim, a felicidade seja em dobro, os sorrisos sejam em dobro, os gestos de carinho em dobro, a saúde em dobro, a amizade em dobro, o amor em dobro, a inspiração em dobro, o discernimento em dobro, o $$ em dobro (que também é bem necessário rsrs) e tudo o mais que possa me tornar uma pessoa mais feliz, também em dobro. 
Assinado: Uma pessoa que faz aniversário hoje e quer tudo de bom em dobro!

À beira do meio-fio brotou uma rosa

30 ago
Era uma noite de enchente, dessas que instalam o caos no trânsito e na vida das pessoas. Agosto castigou com chuvas sem trégua e rios no limite máximo. BR 116 congestionada, som de buzinas, ruas alagadas. Mas Esteio não era só água. Dentro do Parque de Exposições Assis Brasil acontecia mais um dia na história da Expointer, essa jovem senhora na casa dos 36 anos que ainda se comporta como uma menina, vibrando de entusiasmo a cada visitante que chega.  Era quarta-feira, dia de muitos leilões, por todos os lados que se olhasse passavam animais premiados cujo valor atingiu cifras de arregalar os olhos. Em vários cantos as negociações aconteciam. Em um deles, um animal imponente, cheio de si, vencedor de várias provas em anos anteriores, acaba de ser arrematado por nada mais nada menos que justos, segundo o dono, 500 mil reais.
 As pessoas passavam com pressa, e nesse meio uma moça precisa se orientar para saber aonde ir, passa um homem e ela pede ajuda sobre algum lugar específico. Recebe uma recusa e um pedido de desculpas “mas o tempo está escasso”. Passa outro, a mesma coisa. Alguém logo ali, varrendo o meio-fio observava a cena. Aproximou-se meio sem jeito, vagarosamente perguntando se podia ajudar, com uma agilidade no olhar e um jeito de falar de quem se acostumou a precisar da ajuda dos outros e ter que “se virar” sozinha.
A gente vem ao mundo pra servir. diz ela satisfeita por ter indicado o que a moça precisava.
Uma Maria entre muitas outras, com nome de flor. Dona Rosa Maria de Jesus, desde o ano 2000 se adapta à rotina de um trabalho em ciclos que parece nunca ter fim. Um limpa-suja, limpa-suja constante. Dona Rosa é auxiliar de serviços gerais e conhece uma Expointer não tão prestigiada como a que conhecemos; uma feira de sujeira, desordem e lixo.
Pelas ruazinhas, entradas, quadras e qualquer que seja o espaço, está ela, varrendo e recolhendo o que sobra sem utilidade. As mãos com muitos calos não deixam dúvidas: ela trabalha das oito da manhã às oito da noite no evento. Nas suas atividades nem sempre um sorriso, como os que distribui a quem passa, é o que ela recebe de volta. Dessa forma ainda constata que o preconceito permanece e vem de quem está bem próximo: os próprios colegas.
A rotina desgasta, mas é necessária. Dona Rosa é que acorda o sol, 5 horas já está de pé, tomando o seu “pretinho” para em seguida entrar no ônibus que sai do bairro Rio Branco em Canoas até o Centro da capital. Ela é ambulante, vende roupas e todo o tipo de quinquilharia. Agora com o rigor da fiscalização, muitas vezes acaba tendo que voltar para casa sem a garantia da refeição dos dias seguintes. Por isso há 13 anos aproveita a Expointer para reforçar sua renda.
Os sinais dos seus 55 anos, quase todos marcados pelo trabalho de honestidade e esforço desde a infância pobre em Campo Bom, não enfearam os traços da filha da costureira e do pedreiro, que sonhava ser aeromoça e conhecer o mundo.
Eu ainda vou voar para a Europa! Afirma animada. Contaram para ela que lá a vida é mais fácil, mas Dona Rosa está sempre bem informada: – Mas eu sei que a crise lá tá feia, eu que não saio daqui, só para passear, já tenho minhas clientes e minha vida feita.
 Frequentou a escola só até a quinta série. Decidiu ir para Canoas quando ainda era mocinha, morar com uma tia. Mas a tia, que já não lhe dava muitas condições de vida, faleceu, e a miséria bateu à porta e a fez sair para as ruas tão logo, vendendo suas bugigangas.
Dona Rosa vive sozinha, nunca casou nem teve filhos, os pais são falecidos há muitos anos. Como costuma dizer a quem pergunta é “uma solteirona solitária”. Mas para sozinha ela não serve, sempre estão por perto os amigos e colegas, os mesmos que às vezes têm preconceito, também a tratam com a estima que uma amiga merece.
A falta de oportunidades e o cansaço do serviço não tiraram o brilho no olho de quem tem muitos planos e sonhos pela frente.
Eu quero fazer muita coisa ainda, quero conhecer lugares diferentes, visitar uns parentes que foram para o Paraná, também quero garantir minha velhice, eu não sei o dia de amanhã. – Enquanto conta suas metas para o futuro ela continua com a vassoura firme na mão fazendo seus movimentos repetitivos.
Dessa maneira Dona Rosa segue seus dias, varrendo as sujeiras da rua, limpando as calçadas e conduzindo as adversidades que surgem pelo caminho. Assim ela continua fazendo seu trabalho, com o mesmo sorriso de sempre e a disponibilidade para ajudar os outros, da rosa que não murcha no meio da poeira nem com as tempestades de agosto.
Dona Rosa Maria de Jesus
Foto: Karine Klein

Personagens das ruas

5 jun
 Conheça quem são aqueles que anonimamente contribuem para tornar São Chico um lugar melhor
 
Eles são pessoas comuns, com histórias de vida parecidas com a de muitas outras pessoas. Todos trabalhadores, que mesmo anonimamente, decidiram fazer a diferença em São Chico.  São serranos, naturais ou de coração, que optaram por deixar a acomodação de lado e fazer sua parte para uma cidade melhor. Esses personagens da vida real dão exemplos de perseverança, não desistindo fácil e provando no dia-a-dia como cada um pode fazer mais pelo lugar onde vive.
São pessoas pelas quais passamos na rua e muitas vezes não temos a dimensão do seu trabalho e do seu papel social na comunidade. Os “invisíveis” que não fazem questão de serem divulgados, mas que merecem o carinho e o respeito de cada um de nós.
Na cidade o que não faltam são pessoas que atendem esses requisitos, confira a seguir, três histórias diferentes, mas com um ponto em comum, a dedicação pelo trabalho e a certeza de melhorar São Chico.
Valdoci da Silva
Crédito: Karine Klein

O papeleiro que constrói sonhos no lixo

 

Com um sorriso no rosto e sempre muita disposição, ele percorre as ruas de São Francisco de Paula numa carroça azul puxada por Cigano, seu cavalo e companheiro de trabalho. Por onde passa, Valdoci da Silva além de materiais recicláveis, recolhe também os agradecimentos e a confiança da comunidade. Essa relação de respeito foi se construindo ao longo do tempo e hoje não são poucos os estabelecimentos que deixam suas chaves com o coletor para que ele busque os resíduos que iriam para o lixo.

Rutinéia Dutra Christofari é gerente de uma loja de departamentos no município, e convive com Valdoci há cerca de três anos. Durante todo esse tempo o papeleiro busca o que sobra das embalagens de mercadorias que chegam de caminhão até o estabelecimento. Caixas de papelão, entulhos e todo o material que iria para o lixo. Rutinéia considera Valdoci um homem digno de respeito. “Ele é muito honesto, diversas vezes já encontrou produtos esquecidos no meio dos papeis de embrulho e todas as vezes devolveu. Uma vez foi um pacote inteiro de blusas, teve outra situação que foram deixados um par de chinelos. E ele sempre devolve”, comenta.

Nessa função há oito anos, o serrano recolhe diversos detritos, como papel, ferro, eletroeletrônicos e eletrodomésticos e os encaminha para usinas de reciclagem e empresas da região, como a Gerdau. Os únicos materiais que Valdoci não recolhe são vidro, isopor, e embalagens do tipo Tetra Pak, mas segundo ele “fora isso recolho de tudo, e olha que tem cada coisa…”

Dificilmente há um final de semana ou feriado que Valdoci não esteja trabalhando, seja nas coletas na rua ou no galpão onde deposita e separa os materiais, em frente à sua casa. Ali ele pode ser encontrado até a noite, trabalhando com humildade e sempre pensando no futuro.

Quem o conhece sabe: não falta simpatia no papeleiro, e ela é resultado de seu bom humor para com a vida, mesmo que nos últimos tempos ela tenha pregado muitas peças nele.

Diagnosticado em 2009 com câncer na laringe, Valdoci obrigou-se a deixar suas atividades de lado e tratar da sua saúde. Desenganado pelos médicos, ele não se deixou abater, continuou o tratamento e enfrentou a situação. Nesse tempo contava com o apoio de sua companheira, Iara Maria, que além de dividir por 22 anos a vida e os planos com ele, dividia também o trabalho. Hoje recuperado, mas em observação, o papeleiro segue sua rotina com a mesma dedicação de sempre, porém dessa vez lamentando a falta da esposa, que o deixou há um ano, também vítima de câncer.

Em sua casa ele mostra com orgulho o fruto do seu esforço: a mobília quase completamente composta por artigos que as pessoas não quiseram mais e jogaram fora ou doaram para o desmanche, mas que de alguma forma Valdoci soube aproveitar. Diversos eletrodomésticos, roupas, calçados, relógios, toca discos, televisões, telefones, entre muitos outros artigos que teriam como destino certo o lixo, compõe sua casa. Seu carro, um Palio Weekend branco comprando com o esforço do trabalho diário, também é motivo de orgulho para o papeleiro.

Pelas paredes além de quadros, também retirados do lixo, muitas imagens de santos estão espalhadas reafirmando e aumentando cada vez mais a fé, que segundo ele, foi o que o salvou do câncer, mesmo depois de um tratamento errado.

Aos 51 anos Valdoci tira seu sustento do que as pessoas não querem mais, mesmo sem a pretensão, ele contribui para tornar a cidade mais limpa e dar o destino correto para os resíduos que se descartados de forma errada iriam prejudicar o meio ambiente.

Fabiana Kopittke
Crédito: Arquivo Pessoal

 Um amor que vem da infância

Há oito anos atrás quando veio trabalhar em São Chico, Fabiana começou a recolher animais das ruas, na maioria cães. Depois de castrá-los ela procurava por adotantes. Passaram quatro anos e a advogada, funcionária pública do TJRS, veio morar definitivamente aqui, e conversando com colegas de trabalho percebeu que era possível destinar valores de condenações criminais para a causa dos animais de rua, desde que houvesse uma associação civil criada para essa finalidade. 
Assim foi aparecendo uma pessoa aqui e outra ali que já faziam esse trabalho individualmente, elas se uniram e criaram em 2010 a Associação Civil Amigos de Rua, cujo objetivo principal é desenvolver um trabalho a longo prazo promovendo a diminuição de animais de rua através da castração.
Com a atuação da ONG no município e através das redes sociais, as voluntárias conseguiram chamar a atenção para a causa e sensibilizar as pessoas. Segundo Fabiana, que ocupa o cargo de Diretora Administrativa da entidade, hoje já é possível notar uma tomada de consciência por parte da população em geral e dos órgãos públicos e uma mudança de atitude fazendo todos se envolverem e assumirem a responsabilidade de resolver esse problema de saúde pública.
Mas nem tudo se deu de modo fácil, ainda são muitos os casos de abandono e maus tratos aos animais e ainda é preciso mostrar às pessoas que cada um deve fazer sua parte para diminuir os cães e gatos nas ruas. A ONG não possui abrigo, por isso o trabalho das voluntárias é tão importante, elas buscam quem os queira e possa de fato dar uma vida digna, com atenção para saúde e cuidados básicos para os bichinhos.
Mantida por doações particulares e de seus próprios voluntários, a ONG também conta com a colaboração do Poder Judiciário e do Ministério Público da nossa cidade. Algumas vezes também recebem apoio de empresas. Porém não possuem atualmente nenhuma verba da Prefeitura.
Desde criança Fabiana já se importava com os animais de rua e muitas vezes, quando os pais permitiam, os levava para casa. Mais tarde ajudou ONGs em Porto Alegre, mas o envolvimento mais sério se deu aqui no município e hoje, grande parte do seu tempo livre ela dedica para os afazeres da ONG.
Fabiana, aos 36 anos, considera que os animais, assim como as crianças, sãos os seres mais puros com quem podemos conviver. “Essa pureza me ensina muita coisa. O tão batido amor incondicional, que eles realmente têm, a gratidão, a capacidade de reaprender a confiar, e como coisas simples podem ser motivo de tanta alegria.”
Para a advogada, apesar da ajuda escassa, de serem poucas voluntárias – somente 7 –  e de receberem muitas críticas, tudo isso compensa quando ela vê animais antes desamparados, debilitados, que passaram por diversos tipos de sofrimento, voltarem a ser alegres, confiantes e saudáveis quando encontram um lar com adotantes que se comprometam com eles.
A ONG Amigos de Rua vem fazendo sua parte unindo as pessoas que lutavam sozinhas por um pouco de dignidade aos animais da cidade. Sempre tentando agregar mais pessoas interessadas em mudar a realidade dos animais e cobrar dos responsáveis uma mudança de atitude no nosso município.  

Athos Xavier de Brito- “Peladinho”
Crédito: Karine Klein

 O esporte como forma de driblar as dificuldades

Ele anda pelas ruas de São Chico, na maioria das vezes com uma pasta debaixo do braço.  Nela está sua história: seu passado e seu futuro. Athos, ou o “Peladinho” como é conhecido por todos, carrega sempre consigo as ideias em forma de documentos, todas organizadas e exibidas com orgulho. Seu passado representado por tudo que já desenvolveu na área cultural e esportiva, e seu futuro contido nos projetos que apresenta à comunidade.
 A causa não poderia ser mais justa, ele só quer poder dar continuidade ao seu trabalho, totalmente voluntário, que já tirou e segue tirando meninos e meninas das ruas. O que Peladinho oferece é uma opção de lazer para as crianças e os jovens, a escolinha de futebol Pelé & Pelado que atende gratuitamente meninos e meninas, na sua grande parte carentes, de 7 a15 anos.
A escolinha existe desde 1988 e foi criada por ele para tentar tirar seu filho Salomão do mundo das drogas, infelizmente não deu certo, Peladinho perdeu o filho, porém ganhou muitos outros. Até hoje passaram pela escolinha cerca de 450 crianças e adolescentes ao longo dos anos. E toda vez que reencontra algum desses meninos, hoje homens casados e com filhos, sente orgulho ao ver que contribuiu para dar um futuro mais digno a eles.
 Muitas conquistas a instituição já obteve, entre elas a de trazer por duas vezes três categorias de base do Grêmio para jogar com os alunos da Pelé & Pelado. Em 1992, trazendo ídolos como Ronaldinho Gaúcho, Tinga e Gavião e mais adiante, em 2007 também.  Outro grande orgulho de Peladinho foi preparar e treinar a categoria de 11 anos que passou duas décadas sem perder jogos.
Sempre apresentando projetos na Câmara de Vereadores, ele busca apoio do poder público, mas a ajuda na maioria das vezes vem das doações motivadas pela admiração que as pessoas sentem pelo seu projeto. Atualmente, a escolinha possui três locais para treinar, o campo do Atlético Serrano, o do DAER e outro espaço de um particular. Toda a vez que os meninos participam de campeonatos fora do município os gastos com transporte e alimentação dos jovens atletas são também custeados somente com patrocínios, o que dificulta manter o projeto.
Aos 64 anos, além de voluntário no esporte, Peladinho é poeta e compositor, premiado em diversos festivais de música na região. Sempre envolvido em projetos na área de esporte, cultura e educação, outra idealização dele foi a Banda de Latas que esteve presente em muitos eventos no município.
Segundo Peladinho, sua intenção é servir não só no esporte, mas para desenvolver a cultura na cidade, o que vem fazendo à cerca de 40 anos pela vontade de ver um futuro melhor para os jovens de São Chico.

Por: Karine Klein

hombresmujeresyfeminismo

El rincón de los soñadores.

As aventuras da guria do IAPI

Blog onde a guria do IAPI compartilha suas aventuras

Serendipiando

cinema e música em foco. e palavras.